domingo, 16 de novembro de 2008

DISCOGRAFIA DE CARTOLA

Apesar de ter composto inúmeras canções (algumas nem constam o seu nome), Cartola gravou apenas quatro álbuns em toda a sua carreira. O primeiro foi lançado somente em 1974, quando o sambista mangueirense já tinha 66 anos de idade. Quatro anos após o lançamento, Cartola saiu de cena. Felizmente, ele ainda deixou mais três obras-primas, que devem figurar em qualquer coleção de discos.

Abaixo, segue uma breve análise de cada um dos quatro álbuns do centenário sambista.


“CARTOLA” (1974)

Se o público teve que esperar 66 anos pelo lançamento do primeiro álbum de Cartola, ele foi recompensado com um dos grandes discos da história da Música Popular Brasileira. O álbum, como não poderia deixar de ser, é simples, assim como a sua capa, que conta com uma foto de Cartola, em preto e branco, sorrindo e com os seus típicos óculos escuros.

Mas se a sonoridade é simples (aliás, a simplicidade é requisito básico do samba), as canções soam eternas. Com letras também simples, que tocam a alma das pessoas de todas as classes sociais, as 12 faixas de “Cartola” formam uma antologia da nossa música. Do samba-choro “Disfarça e Chora” até a descontração de “Alegria”, o disco passeia por canções como “Corra e Olhe o Céu” (“Corra e olhe o céu / Que o sol vem trazer / Bom dia”), a ressentida “Tive Sim”, a emblemática “Alvorada” (“Alvorada lá no morro, que beleza / Ninguém chora, não há tristeza / Ninguém sente dissabor”), a saudosista “Amor Proibido”, e, principalmente, “O Sol Nascerá”, a marca registrada de Cartola, que, com os seus curtos nove versos, provou que as palavras mais simples fazem as canções mais bonitas.

Será que estamos errados?
“A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade
Perdida
Fim da tempestade
O sol nascerá
Finda esta saudade
Hei de ter outro alguém para amar”


“CARTOLA” (1976)

Em seu segundo disco, que, assim como o primeiro, também foi lançado pela extinta gravadora Marcus Pereira, Cartola apresenta mais uma dúzia de sambas que estavam guardados na sua gaveta. O resultado foi mais um álbum com canções imortais, como “O Mundo É Um Moinho” e “As Rosas Não Falam”, certamente, os dois clássicos mais emblemáticos (e mais regravados) da carreira do sambista.

“Cartola”, que chegou às lojas em 1976, é considerado pela crítica o principal trabalho do compositor. E, assim como o álbum anterior, este segundo disco é marcado pela simplicidade. A foto da capa, que traz Cartola ao lado de sua esposa, Dona Zica, na sacada de sua casa no Morro da Mangueira, dá até a sensação de que aquelas canções tinham sido gravadas na sala de sua casa.

Se não foram gravadas em um ambiente tão descontraído, as 12 faixas desse disco também mostram o samba em sua forma mais básica, com percussão, violão de sete cordas e, em algumas ocasiões, a intervenção de um flautista. O exemplo dessa simplicidade está exatamente em “As Rosas Não Falam”, com a sua singela letra que apresenta uma pessoa que mata a saudade da amada que partiu, através do cheiro das rosas (“Volto ao jardim / Com a certeza de que devo chorar / Pois bem sei que não queres voltar / Para mim / Queixo-me às rosas, mas que bobagem / As rosas não falam / Simplesmente as rosas exalam / O perfume que roubam de ti”).

Outros sucessos de Cartola também estão presentes nesse disco, como “O Mundo É Um Moinho”, “Sala de Recepção”, “Peito Vazio”, “Aconteceu” e “Ensaboa Mulata”, esta última gravada também por Marisa Monte. No repertório do álbum, Cartola ainda abriu espaço para mais dois sambistas de primeira grandeza: Candeia (“Preciso Me Encontrar”) e Silas de Oliveira (“Senhora Tentação”).


“VERDE QUE TE QUERO ROSA” (1977)

O terceiro álbum de Cartola, produzido por Sérgio Cabral (o pai), foi o primeiro do sambista lançado por uma grande gravadora. E a RCA (afiliada à Sony) não deixou por menos, providenciando uma verdadeira superprodução para o sambista mais famoso de seu elenco. Uma rápida escutada no disco já é o suficiente para notar uma grande diferença técnica: o som é muito mais encorpado e a mixagem bem mais profissional. Em “Verde Que Te Quero Rosa”, é possível ouvir com nitidez os instrumentos de grandes músicos como Horondino José da Silva (violão), Radamés Gnattali (piano), Canhoto (cavaquinho), Meira (violão), Dininho (baixo), Mestre Marçal (percussão), Altamiro Carrilho (flauta) e Wilson das Neves (bateria).

Cartola, enfim, tinha uma produção à sua altura. Mas, infelizmente, esse terceiro disco não é tão arrebatador quanto os dois primeiros. Mesmo assim, “Verde Que Te Quero Rosa” é recheado de momentos brilhantes, como “Autonomia” (único registro de Cartola a frente de uma grande orquestra), o samba de gafieira “Desfigurado” (com um belo saxofone de Abel Ferreira), “Tempos Idos” (na qual o samba em pessoa canta o samba, em conspícuo exercício de metalinguagem) e a triste “Nós Dois”.

Como no trabalho anterior, Cartola homenageia outros colegas no disco. E, dessa vez, os escolhidos são Geraldo Pereira (“Escurinha”), e a dupla Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho, com a histórica “Pranto de Poeta” (“Em Mangueira / Quando morre um poeta / Todos choram / Vivo tranqüilo em Mangueira porque / Sei que alguém há de chorar quando eu morrer”).


“CARTOLA 70 ANOS” (1979)

Assim como em “Verde Que Te Quero Rosa”, o álbum gravado por Cartola em 1979 foi lançado pela gravadora RCA. Ou seja, todo o esmero na produção (que novamente ficou a cargo de Sérgio Cabral) é repetido nesse trabalho, que conta com uma linda capa com Cartola fantasiado durante um desfile da Mangueira.

Nesse disco, o “Divino” (como Lúcio Rangel batizou Cartola) não abriu espaço para nenhum outro samba exclusivo de outro compositor. Todas as 12 faixas são de sua autoria, algumas ao lado de fiéis parceiros, como “Silêncio de Um Cipreste” e “Ciência e Arte” (com Carlos Cachaça), “A Mesma Estória” (ao lado de Elton Medeiros), “O Inverno Do Meu Tempo” e “A Cor da Esperança” (ambas em parceria com Roberto Nascimento).

E uma dessas parcerias é exatamente a faixa que mais se destaca em “Cartola 70 Anos”. “Silêncio de um Cipreste” conta com um Cartola cantando em voz mansa os lindos versos: “O pensamento é uma folha desprendida / Do galho de nossas vidas / Que o vento leva e conduz / É uma luz vacilante e cega / É o silêncio do cipreste / Escoltado pela cruz”. “Ciência e Arte”, feita para ser o samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira em 1949 (mas recusada), escrita a quatro mãos com Carlos Cachaça, é outra que merece destaque. Tanto destaque que, em 1997, foi regravada por Gilberto Gil, em seu CD duplo “Quanta”.

Dentre as canções escritas solitariamente por Cartola, as melhores são “Fim de Estrada” (“Infelizmente / Não iremos ao fim da estrada / Eu bem sei que estás cansada / E eu também cansei / Só peço que respeites / O nome que te dei / E pelo amor de Deus / Não negues que te amei”) e “Evite Meu Amor” (“Evite Meu Amor / Recuse os braços meus / Evitarei os beijos seus / Culpado foi o destino / Se somos dois feridos”).

Na última música (“Bem Feito”) registrada em seu derradeiro álbum, Cartola canta os seguintes versos: “Ontem me contaram / Que ela vive cantando / Lamentando o tempo perdido / Que comigo passou”. Bom, não se sabe quem é a dita cuja que lamentou o tempo que passou com Cartola. Mas no que depender de nós, com tantas músicas lindas que entraram no inconsciente coletivo, certamente não tivemos tempo perdido com o mestre Cartola.

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